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Arquitetura de castelos tropicais: quem quer ser nobre no Brasil de hoje?

NOBREZA, HERÁLDICA E CASTELOS “MEDIEVAIS” (Foto 1)

O artigo aborda a arquitetura de castelos ecléticos construídos nas primeiras décadas do século XX no Brasil, destacando aquelas fortalezas medievais erigidas nas regiões serranas do Rio de Janeiro. A pesquisa sobre castelos tropicais foi sempre cercada de surpresas, desde o seu início. A primeira delas, por parte mesmo daqueles com quem comentei sobre sua realização, e que indagaram com espanto: “Mas será que existem castelos no Rio de Janeiro?”. Tal perplexidade justifica-se em um país que não viveu historicamente a Idade Média, mas que mantém em seu repertório cultural elementos clássicos e ecléticos, convivendo pacificamente com o estilo moderno aqui disseminado entre as décadas de 1920 e 1940 e até com o pós-modernismo dos anos 1980 e 1990. Sobre quais castelos estaremos então discorrendo a partir de agora? Exatamente sobre aquelas obras de arquitetura eclética existentes nas regiões serranas próximas ao Rio – como Petrópolis, Correias, Itaipava e Teresópolis – nas décadas de 1920 a 1940. Nesses castelos ocorre uma preponderância medieval, em que se destaca o estilo normando das fortalezas de pedra, ao lado de um neogótico pleno de abóbodas, vitrais, torres e arcos ogivais, que os aproximam bem mais das fortalezas da Disneylândia do que dos modelos originais de castelos europeus. Como afirma Eco (1989, p.78)

Não se sonha com a Idade Média porque seja o passado, porque a cultura ocidental tem uma infinidade de passados. (...) Mas acontece que, e já foi dito, a Idade Média representa o crisol da Europa e da civilização moderna. A Idade Média inventa todas as coisas com as quais ainda estamos ajustando as contas, (...) a

universidade, até mesmo a organização turística (...).

Em um país terceiro-mundista como o Brasil, a Idade Média que não foi vivida no tempo histórico permeia nosso cotidiano através dos símbolos da comunicação de massa, derivados das culturas europeias e norte-americanas. Uma época medieval romântica idealizada nos folhetins do século XIX e aqui largamente difundida na primeira metade do século XX acabou sendo disseminada, a partir dos anos 1950, através de filmes de Hollywood como, Robin Hood e Os Cavaleiros da Távola Redonda. Constituindo um medievo oitocentista, passou a fazer parte de nosso dia-a-dia, cheio de torres e de castelos assombrados por fantasmas, em que a escuridão da noite foi cortada por relâmpagos e em que o torreão substituiu a astronave (cf. Eco, 1989, p.80).

E é essa Idade Média composta pelo imaginário do século XIX que aparece representada na arquitetura constituída por uma bricolage (cf. Lévi-Strauss: 1989) de estilos normando, Tudor, Windsor e neogótico de influência inglesa, aos quais se juntaram ainda réplicas de estilos medievais portugueses, significando uma mentira de informação estética (cf. Eco: 1970) por representar a tentativa de alguns nouveaux-riches de se inserir dentro de um modelo nobre, no qual ocorreu uma identificação com um ideal europeu, branco e civilizado.

A elite brasileira, construtora de casas-grandes nos séculos XVIII e XIX nas áreas rurais, ergueu também sobrados e palácios nos centros urbanos, deixando sua marca característica nos castelos medievais erigidos desde o início do século XX até a atualidade, tanto na cidade quanto nas serras próximas ao Rio de Janeiro. A simbologia da nobreza neles impressa nos remete finalmente, para o funcionamento de um sistema marcado por hierarquias sociais, no qual não há mesmo necessidade de segregar o negro, o mulato, o mestiço e o índio, já que o branco surge como grupo dominante, dentro de uma ordem social na qual a igualdade raramente predomina (cf. Da Matta: 1981).

O aparecimento de moradias e de casas de campo sob a forma de castelos medievais parece falar da nostalgia de uma nobreza perdida, representada pelo status superior de seus proprietários. Essas réplicas de construções típicas da Idade Média, ao lado de brasões familiares na decoração de interiores e de fachadas das residências, marcam um lugar de destaque de seus donos na hierarquia social, com ancestrais aristocráticos e/ou com grande poder aquisitivo. O mundo da família determinado pelos laços de sangue, pelo nome e pelo título nobiliárquico de um ancestral foi, então, acionado por nossos informantes como forma de podernas relações pessoais cotidianas, constituindo uma mistura de nostalgia, monarquia e dominação.Tal concepção da realidade é representativa de forças políticas tradicionais, vigentes desde a época colonial e identificadas com o patrimonialismo.

Uma postura anti-igualitária, dominada pela ética do familismo, da patronagem e das relações pessoais – inerente à vertente hierárquica existente no bojo da sociedade brasileira (cf. Da Matta: 1979) – é correspondente, em termos ideológicos, ao comportamento da elite política do patrimonialismo. A própria constituição do estamento- estrato político com efetivo poder de comando, identificado com uma postura tradicionalista, - pode ser, assim, atribuída ao fato de termos constituído, até o final do século XIX, uma sociedade de nobres.

A sociedade aristocrática brasileira, ao adotar a escravidão como forma normal de trabalho, se aproxima, em algum nível, desse pensamento racista, supondo a superioridade da raça branca para justificar a dominação sobre as raças consideradas inferiores (não brancas). A sociedade reproduzida no Brasil, a partir do modelo lusitano, veio marcada pela ordem racial. As teorias racistas – difundidas no século XIX por pensadores como Joseph Arthur, Conde de Gobineau, que serviu aqui como embaixador em 1869 –chegaram a profetizar uma degeneração genética para os brasileiros em menos de duzentos anos devido à disseminação da raça negra, considerada como inferior, tanto nas classes baixas quanto nas classes superiores da população (cf. Chiavenato: 1987).

Ao se deparar com a realidade brasileira da mestiçagem, a ciência das raças europeia e norte-americana teve por bem erigir um discurso ideológico que invertesse o argumento da pureza das raças: os autores nacionais do final do século XIX e início do século XX deduziram que se poderia chegar à raça pura (branca) através da miscigenação seletiva. Decorreu daí o mito do branqueamento da raça e a outra face da mesma moeda: o mito da democracia racial (cf. Seyferth: 1986).

Partindo da investigação do espaço construtivo, procuramos desvendar a ideologia do Barão Smith de Vasconcellos, construtor do Castelo de Itaipava, a qual foi estruturada por ideais nobiliárquicos, monarquistas e arianistas vigentes nas primeiras décadas do século passado entre componentes da elite carioca e fluminense, da qual faz ele parte integrante. Destacamos a genealogia dos Smith de Vasconcellos e a descrição de seus brasões nobiliárquicos, ao lado da análise da heráldica como forma de classificação social na época feudal e no Brasil Império.

É ainda hoje senso comum que o povo brasileiro descende de três raças degeneradas ou inferiores: o índio indolente, o negro lascivo e o português degredado. Ou, como expressa vulgarmente uma piada sobre a Criação do Mundo: Ao criar o Brasil, Deus nos premiou com uma natureza generosa, porém, em compensação, “olha só o povinho que colocou morando aqui...”. Constatamos, dessa forma, como nossa própria identidade cultural se encontra permeada por valorações negativas de toda ordem. Contraditoriamente a essa visão do povo brasileiro como inferior, no entanto, o senso comum acredita que o Brasil é um dos únicos países onde existe uma verdadeira democracia racial, onde a mestiçagem é a tônica e o negro (como também o índio) não sofre qualquer tipo de discriminação.

O encontro harmonioso das três raças em território brasileiro dá, então, origem ao homem cordial apontado por Holanda (1989), com o qual nos identificamos positivamente. Aquele mesmo brasileiro simpático, algo despreocupado e meio malandro, que resolve qualquer problema com o famoso jeitinho. Nosso preconceito de não ter preconceito não explica, no entanto, o porquê da localização da maioria quase absoluta dos negros e dos índios nas camadas mais baixas da população.A questão estrutural da desigualdade ráciossocial brasileira é simbolizada nas representações dos proprietários de castelos medievais pela contraposição entre nobres e africanos referindo-se, dessa maneira, aos estratos superiores e inferiores da sociedade e trazendo à tona uma estética racista da elite carioca e fluminense.Tal ideal de nobreza tomou forma mais concreta no caso do Barão Smith de Vasconcellos, embora tendo sido igualmente detectado em outros construtores de castelos tropicais. A corporificação dos três elementos que estruturam o modelo de como ser nobre idealizado pelos construtores de castelos pode ser assim resumido:

. A arquitetura, representada pela construção de castelos, torres e fortalezas, de acordo com um estilo arquitetônico preponderante inglês ou anglo-normando.

. A memória genealógica, indicada na criação de brasões próprios pelos construtores de castelos, bem como no levantamento das árvores genealógicas de seus ancestrais.

. O ideal de vida da , simbolizada pela obtenção de um título de nobreza pelo 3º Barão de Vasconcellos.

Tanto a fortaleza anglo-normanda e neogótica erigida pelo Barão Smith de Vasconcellos, quanto a obtenção de seu título de nobreza via uma bula papal e o levantamento da heroica árvore genealógica que ilustra a Galeria dos Ancestrais por ele realizada em seu castelo tropical, nos falam da eficaz atualização desse modelo de nobreza. Enquanto outros construtores de castelos somente traçam esboços de um modo ideal medieval de morar, de viver e de se reportar aos seus ascendentes, Jayme Luiz conseguiu ultrapassar o mero sonho de ser nobre, acabando por atualizar um modelo de nobreza em sua vida do dia-a-dia.

Contribuiu para isso, certamente, o livro Arquivo Nobiliárquico Brasileiro, publicado em 1918, tendo sido por ele escrito em parceria com seu pai, Rodolpho Smith de Vasconcellos, representando tal estudo o primeiro levantamento sistemático dos integrantes da nobreza brasileira do 1º e 2º Impérios.No caso do Barão, o acesso aos livros que compõem a biblioteca do Castelo de Itaipava, bem como a parte do material por ele recolhido para a redação do Arquivo Nobiliárquico, que escreveu juntamente com seu pai, simbolizou uma contribuição valiosa ao nosso trabalho de campo.

Ao modelo anglo-normando da arquitetura do Castelo de Itaipava, o 3º Barão acrescentou ainda a valorização do sangue de seus ancestrais ingleses e portugueses, procurando demonstrar concretamente que sua família não sofria de qualquer mácula de sangue negro ou mestiço em sua gloriosa Galeria dos Ancestrais. Com a construção do Castelo de Itaipava, a obtenção de um título de nobreza papal e o seu acesso às camadas abastadas da sociedade através do casamento com rica herdeira paulista do Conde Siciliano, o proprietário desse castelo contrapôs, simbólica e concretamente, o modelo inferior e mestiço do brasileiro do início do século ao seu ideal superior e nobre de cavaleiro medieval romantizado no século XIX. É exatamente esse modelo de nobreza, que mescla ficção e realidade vivida, que foi então atualizado pelos construtores de castelos tropicais.

O projeto e a construção do Castelo de Itaipava enfocam a questão do neogótico e do gosto eclético, contrapondo-o à visão modernista que se afirmou na arquitetura brasileira dos anos1920. A etnografia espacial do castelo percorre a Sala de Armas, a Galeria dos Ancestrais e a Biblioteca como Templo do Saber, revelando aspectos defensivos de uma réplica anglo-normanda do século XIII. A nobreza do Império brasileiro baseou-se em um sistema de privilégios, inspirado no conceito jurídico português que pressupunha uma distinção entre nobres e plebeus. Os Vasconcellos ilustram bem aqueles nobres de Portugal descendentes de comerciantes muito ricos, cujo acesso à nobreza representou uma forma de pagamento por serviços remunerados à coroa, os quais se encontravam previstos desde o século XIV no Regimento do Mordomo-Mor da Casa Imperial.

De acordo com tal regimento, a prestação de serviços sociais através de obras de caridade, da construção de igrejas e de hospícios e de libertação de escravos, na época de D. Pedro II, era reconhecida pelo imperador através de títulos de nobreza atribuídos só por uma vida, não tendo sido tais títulos passíveis de renovação nem de extensão aos descendentes dos titulados. A indicação para uma titulação nobiliárquica por serviços prestados previstos em tal regimento fez com que não fossem somente os filhos primogênitos que herdaram o direito de uma segunda vida dos títulos dados aos seus pais. Ao contrário do que ocorreu no caso do 2º Barão de Vasconcellos, que era filho primogênito do 1º Barão, não foram sempre os filhos primeiros que herdaram os títulos de seus pais, mas sim, aqueles indivíduos que se destacavam socialmente dentro de uma família de origem nobre. Após ser publicado o decreto régio que atribuía um título de nobreza, caberia ao titulado pagar um alto imposto, que lhe dava, por sua vez, o direito de poder fazer uso de tal titulação.

A carta régia definitiva dependia, portanto, do poder aquisitivo do nobre titulado, o qual deveria remunerar a coroa com uma vasta contribuição pelo título obtido. A nobreza da terra era composta principalmente pelos poderosos fazendeiros que dominavam as câmaras de vereadores de suas regiões, sendo constituída por grandes fortunas. Poucos nobres conseguiam obter do Imperador uma dispensa oficial para o pagamento de tal imposto, como foi o caso de Lord Cochrane, conhecido usurário. Com a atribuição de títulos por serviços de guerra a partir da metade do Império, ocorreu a dispensa desse imposto no caso dos militares, cujos baixos soldos impossibilitavam mesmo seu pagamento à coroa.A substituição progressiva dos valores tradicionais da nobreza das velhas linhagens portuguesas pelo poder aquisitivo elevado dos nobres de uma classe inferior poderia ser representada no caso dos Vasconcellos. Inseriam-se eles entre aqueles parvenus que, sendo de origem burguesa e tendo exercido a profissão de comerciantes de alto trato por gerações sucessivas, acabaram por ser aceitos entre a elite brasileira pelos seus serviços prestados ao Império.

O Barão Smith de Vasconcellos recebeu um título nobiliárquico como mercê de S. Benedito XV, por breve apostólica de 1917. Não podendo contar mais com a titulação real após a extinção da monarquia no Brasil, Jayme Luiz lançou mão da aquisição de um título papal de nobreza como estratégia de nobilitação, fato que lhe permitiu a recriação de um mito de origem a partir de seus ancestrais nobres. Tal mito de origem nobiliárquica apareceu representado, exemplarmente, na eleição do estilo arquitetônico do Castelo de Itaipava, baseado em um modelo neogótico e anglo-saxão. A interpretação da arquitetura eclética das primeiras décadas do século XX – representada pelos castelos medievais de inspiração anglo-normanda – pode ser interpretada como tendo a função de distinguir seus idealizadores, no sentido de distinção empregado por Bourdieu (1979), em que a arquitetura neogótica, como forma de expressão artística, indicava o anseio de pertinência de seus donos ao universo cultural de segmentos da elite brasileira da época.

Tal arquitetura eclética traduz um modelo romantizado da Idade Média feudal, típico da Europa do século XIX, que traz em seu bojo a monarquia como forma de governo decorrente de uma aristocracia natural inerente às classes dominantes. Esses castelos medievais foram construídos no Brasil, na maior parte das vezes, por comerciantes enriquecidos do comércio com a República, como forma de ostentação estética que visava a superação de sua origem humilde e não inserida nas velhas linhagens da nobreza portuguesa e brasileira. O ecletismo representa um estilo arquitetônico de origem europeia que se caracteriza pelo emprego das mais diversas arquiteturas do passado ou pela combinação de mais uma delas numa construção. A arquitetura do século XIX foi, assim, preponderantemente eclética e os edifícios obedeceram a precedentes estilísticos como o romântico-medieval ou clássico-renascença.

A arquitetura eclética neogótica desenvolveu-se principalmente na Inglaterra e na França, além de ter ocorrido com menor destaque em outros países da Europa, quando foi adotado pela rica burguesia industrial que surgiu com o capitalismo. A associação desse estilo, de características exuberantes, com uma classe social afamada pela pouca cultura manteve, até há pouco tempo, uma imagem negativa sobre o ecletismo, considerado como inerente aos nouveaux-riches ou parvenus. O estilo de arquitetura escolhido para a construção do Castelo de Itaipava consistiu exatamente em um medievalismo normando, expresso pelo neogótico de suas fachadas principais e de seus espaços inferiores.

Esse gótico tropical, eleito como estilo predileto por segmentos da elite fluminense e carioca do início do século XX, parece falar do ideal de aristocracia natural da família Smith de Vasconcellos que o Barão buscou divulgar com a construção de sua Galeria dos Ancestrais, acionando para isso o princípio de superioridade inata e hereditária de seus ascendentes brancos e europeus. Como um verdadeiro Lord inglês de época do Império transplantado para a colônia, Jayme Luiz empregou como estilo arquitetônico aquele neogótico que o alto capitalismo do início do século passado permitiu à capital do país e aos seus arredores erigir. Tal modelo do gótico tropical é assim ilustrado por Anderson (1989, p. 164), no que se refere à sua implantação nas colônias britânicas:

Em toda colônia se encontrava esse tableau vivant tristemente divertido: o bourgeois gentilhomme declamando poesia contra o cenário de amplas mansões e jardins cheios de mimosas e buganvílias, e com um enorme elenco de apoio de lacaios, cavalariços, jardineiros, cozinheiros, amas, criados, lavadeiras e, acima de tudo, de cavalos.

O ecletismo reflete o gosto estético das primeiras décadas do século XX, nas quais se destacou a influência das culturas anglo-saxônico e francesa junto aos estratos superiores da sociedade carioca. Freyre (1948, p. 11 e 12) demonstra como a predominância britânica no Brasil assumiu aspectos francamente imperialistas entre 1835 e 1912, sobrepujando economicamente a própria influência francesa:

Os ingleses, quase tanto quanto os franceses, madrugaram, sob a forma de piratas, aventureiros e negociantes, nas praias da América tropical descobertas por portugueses e espanhóis. E distanciando-se dos franceses, por largos anos seus rivais, os ingleses acabaram alcançando entre nós, sob a forma de negociantes e técnicos, uma preponderância econômica que, ostensiva nos dias de D. João VI regente e depois rei (...) acentuou-se de 1835 a 1912, para só então começar a declinar lentamente, vencida pela expansão norte-americana e minada pela alemã.

A influência inglesa no Brasil manifestou-se na arquitetura do século XIXpela substituição das rótulas ou gelosias de urupema (denominada de muxarabis), existentes no Rio de Janeiro durante o reinado de D. João VI, pelas esquadrias das janelas de ferro e vidro. A pretexto de motivos estéticos e de saúde pública, o Intendente Geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana, fez publicar um edital em 11 de julho de 1809, que pregava a retirada, dentro do termo de oito dias, de milhares de rótulas, balcões, gelosias e muxarabis dos sobrados da cidade. Freyre (1948, p. XXIV) sugere que essa retirada violenta dos muxarabis – elementos de influência mourisca absorvidos pela arquitetura portuguesa e para aqui transplantados – decorreu de uma pressão dos ingleses interessados na venda de ferro e vidro decorrente da disseminação do estilo eclético. A Missão Francesa no Brasil reprimiu o desenvolvimento desse estilo, sufocado pelo ensino rigorosamente clássico da Academia de Belas-Artes.

A arquitetura eclética voltou com força total no início do século XX, impulsionada pelo clima renovador após a Proclamação da República. Regidas pelo então prefeito, o engenheiro civil Pereira Passos, as obras de remodelação do Rio, realizadas nas duas primeiras décadas do século passado, transformaram seu centro urbano, nesse curto espaço de tempo, em uma perfeita réplica de uma cidade de belle époque. O visual luxuoso das principais fachadas do Rio, com suas grandes colunas, cúpulas em metal, iniciais e monogramas nas cimalhas, se inspiraram em umabricolage de estilos arquitetônicos baseado no ecletismo, assim definido por Patteta (1975, p. 7):

por Arquitetura do Ecletismo se entenda a produção poli-estilística que caracteriza a segunda metade dos oitocentos, derivada da disponibilidade do arquitetura de adotar indiferentemente estilos diversos (...). É considerado Ecletismo o complexo da experiência arquitetônica que vai de 1750 ao final dos oitocentos, da crise do Classicismo à origem do Movimento Moderno. (...) (Inclui) revivals (o Neogrego, o Neogótico, o Neorrenascimento) e exotismo (o Chinesismo, o Neomourisco e o Neo-indiano), (...) que denotam (...) um novo clima cultural: a passagem de uma problemática arquitetônico da elite para aquela da nova classe empreendedora.

PROJETO E CONSTRUÇÃO DO CASTELO DE ITAIPAVA (Foto 2)

O dono do Castelo de Itaipava nasceu em uma chácara idealizada segundo moldes ingleses pelo Visconde de Guaratiba, possuidor de uma vasta propriedade de terras em um local denominado de Águas Férreas, onde hoje se encontra situado o bairro do Cosme Velho. A casa onde nasceu o Barão Smith Vasconcellos foi construída de acordo com um estilo eclético neomourisco, vigente na segunda metade do século XIX e começo do século XX. O exemplo mais célebre no Rio de Janeiro de uma edificação nesse estilo é o pavilhão mourisco ou Castelo de Manguinhos, erigido a partir de 1905 e cujas obras só terminaram definitivamente em 1918. Contrapondo-se ao modo eminentemente urbano de habitar de seu pai, Rodolfo Smith de Vasconcellos, Jayme Luiz optou por um estilo-de-vida diferente. A consolidação de um poderio econômico por parte da burguesia do final do século XIX permitiu aos proprietários expandirem seus bens imobiliários da cidade para o campo.

A partir da geração do Barão Smith de Vasconcellos, passou a ser valorizado como símbolo de status possuir uma casa-de-campo em Petrópolis, Teresópolis ou em outra região serrana localizada próximo ao Rio de Janeiro, inspirando-se para isso nos bangalows ingleses. A difusão do estilo pitoresco entre nós – disseminado na Europa desde a segunda metade dos setecentos e por todo o oitocentos – tendo eleito a romântica casa-de-campo como modelo estilístico, pareceu ter sido o responsável direto por essa adesão formalista à casa unifamiliar extra urbana ou cottage (cf. Patteta 1975). Esse estilo pitoresco deriva da tradição romântica e conservadora do século XIX, que disseminou a tese familiar de que, quando o aristocrata vivia no campo entre seus camponeses, haveria menos possibilidades de revoltas camponesas graves do que quando ele passava a amar o luxo e a habitar na capital (cf. Moore Jr.: 1983, p.448).

Tal linha de pensamento conservador parece ter efetivamente influenciado a elite e a burguesia abastada do começo do século passado, incentivando a classe superior, na qual se inseria o nosso Barão, a construir casas-de-campo. Essa valorização do ambiente rural representa um elemento típico da cultura de revivals do ecletismo do século dezenove e começo do século XX. O culto à vida no campo aparece assim conjugado à difusão do medievalismo como estilo estético, já que na Idade Média “a vida rural é então infinitamente mais ativa que a vida urbana, e, tanto numa como noutra, é a família, não o indivíduo, quem prevalece como unidade social”.(Pernoud: 1981, p.201).

A fraqueza das cidades constituiu mesmo uma característica marcante da Idade Média, época em que preponderava uma sociedade rural que formou a base da organização política feudal. Na época medieval – em que depois do ano 1000 os novos centros urbanos da Europa ocidente se estruturaram, muitas vezes, sobre o traçado das antigas cidades do Império Romano – as cidades ocupavam um espaço social marginal, não funcionando mais como centros administrativos e minimamente como centros de produção e troca (cf. Benelovo: 1983, p. 251/253). Para os iluministas do século XVI, a Idade Média foi o período intelectual de maior obscurantismo jamais vivido pela humanidade. O romantismo do século XIX, ao redescobrir a importância dessa desprezada Idade Média, trouxe à baila conceitos conservadores como o culto do passado ou da tradição.

O culto a um passado romântico e medieval, no caso do Barão Smith de Vasconcellos, manifestou-se em sua escolha por um estilo gótico inglês para a arquitetura de seu castelo. O gótico tardio ou gótico inglês representa o estágio final desse estilo artístico da Idade Média, apresentando tendências tipicamente conservadoras (cf. Hauser: 1973, p. 210). A fase mais expressiva da arquitetura medieval foi exatamente aquela chamada de gótica, nome dado pelos humanistas do renascimento italiano à arte dos lombardos, e dos godos (daí o nome gótico), considerada por eles como germânica e bárbara. A diferença fundamental entre a arquitetura românica e a gótica reside no emprego de arcos de abóboda de ponto médio, no primeiro caso, enquanto a arquitetura gótica apresenta arcos pontudos, janelas com vitrais e abóbodas nervuradas como suas características principais.

O estilo gótico indica a influência de um novo espírito que não era aquele de Roma, mas sim nórdico (cf. Lethaby, apud Kidson: 1979). Não nos parece gratuito o fato dessa escolha do estilo gótico inglês para a construção do castelo tropical do Barãohaver assim se somado ao ideal ariano de seu dono. Levando em conta a tão decantada superioridade racial dos anglo-saxões de sangue germânico pelos autores racistas do final do século XIX, os quais acabaram levando o nosso Barão a valorizar os ancestrais britânicos em sua árvore genealógica e em seus brasões nobiliárquicos, não seria despropositado afirmarmos que a essa superioridade racial teutônica veio se aliar uma superioridade estética ou artística, representada pela arquitetura nórdica ou gótica.

O neogótico do século XIX, inspirando-se no gótico medieval do século XIII, parece realmente representar o estilo nacional inglês por excelência. Simbolizando um patrimônio da alta cultura arquitetônica do romantismo, esse estilo de arquitetura – em comparação com a cultura estrangeira de países como a França e Itália – representa um estilo adequado para um povo livre, para uma democracia burguesa de pura criação britânica e, enfim, um estilo popular no sentido romântico do termo, isto é, um estilo no qual o povo pode encontrar, por confronto explícito, o valor da própria história e da própria tradição.

De acordo com Ruskin (1819-1900), teórico inglês do neogótico e do ecletismo, o revival do gótico nórdico do século XIII constituiu uma bem sucedida tentativa de restaurar o valor religioso e moral do passado medieval. A identificação entre o gótico e a religião apareceu claramente expressa na construção das catedrais, que indicavam, através da verticalidade de suas coberturas e da luz de seus vitrais, o desejo de ascensão espiritual do homem medieval (cf. Patteta: 1975, p.154 e 168). Já a arquitetura civil da Idade Média, com o castelo principalmente, representou uma expressão do puro funcionalismo da engenharia militar, adaptada pelo século XIX com a introdução do ferro batido na construção. A estrutura construtiva gótica era então interpretada pelo neogótico – segundo a visão de Viollet-le-Duc (1814-1979) – como simbolizando o elemento essencial da arquitetura, na qual se destacavam três princípios de edificação: o arco de corte agudo, o pilar autoportante e o teto ramificado.

Seguindo o exemplo de D. Pedro II, o Barão Smith Vasconcellos era igualmente fã incondicional de Walter Scott, em cujos romances se baseou para conceber o projeto arquitetônico do Castelo de Itaipava. Inspirando-se em um estilo baronal escocês difundido por esse romancista, seu castelo segue ainda o modelo da fortaleza medieval de Neuschwanstein, o Castelo do Cisne sonhado pelo rei Luís II da Baviera em 1869, o qual representa a mais conhecida expressão megalomaníaca da arquitetura romântica neogótica do século XIX. A arquitetura do Castelo de Itaipava recebeu ainda a influência, ao lado do estilo gótico inglês, da arquitetura normanda francesa do início da Idade Média. Em 1066, data do começo da guerra entre França e Inglaterra, o Duque de Normandia teve um poder de caráter absoluto ao aplicar a lei germânica, exercendo a justiça das contendas de sangue e do direito de vingança, enquanto os barones ou nobres presidiam reuniões judiciais em que se infligia a mortee a mutilação. Até o século XII, as afinidades políticas, sociais e intelectuais entre Normandia e Inglaterra eram imensas, e a monarquia anglo-saxônica, nascida da guerra, foi profundamente germânica e carolíngia (cf. Petit-Dutaillis: 1961).

Foi essa monarquia absolutista anglo-normandaque inspirou o construtor do Castelo de Itaipava no modelo de arquitetura romântica e conservadora. Considerando-se descendente de uma legitimidade dinástica vigente entre normandos e ingleses no início da Idade Média, a ela vieram se juntar seus ascendentes portugueses e aqueles da antiga nobreza da terra caracterizada, de acordo com Vianna (1987, p. 110/111), por traços culturais das sociedades do tipo senhorial, como no caso da sociedade feudal. Procurando legitimar-se como nobre nos moldes da nossa sociedade imperial, seguindo a conceituação expressa por Oliveira Vianna, para isso caberia ao Barão Smith de Vasconcellos adquirir uma grande propriedade de terras, na Fazenda Itaipava, já que na época do Império somente a posse de um latifúndio dignificava o nobre, considerando-se as atividades de comércio ou da indústria incompatíveis com um homem de nobreza.

A aquisição destavasta extensão de terras, ao lado da construção de uma fortaleza medieval nos moldes daquela pertencente a um cavaleiro feudal, expressou para Jayme Luiz seu desejo conservador de voltar ao passado, a uma tradição monárquica escravista que desmoronara, segundo ele, pela modernização compulsória do país introduzida pela República. Opondo-se aos positivistas, que eram republicanos convictos, colocou-se ele ao lado dos patrianovistas e dos integralistas, tendo eleito estes últimos a figura de Gustavo Barroso como um de seus ideólogos mais ferrenhos. Para o Barão, todo o arcabouço da ordem social nacional começara a ruir após a abolição da escravatura, já que, inspirando-se em Vianna (1922, p. 328, grifos nossos), achava mesmo que:

o homem branco cultiva, com efeito, certas aspirações, move-se segundo certas predileções e visa certos objetivos superiores (...). Esses objetivos, que são a cauda íntima da incomparável aptidão ascensional das sociedades arianas, deixam indiferentes os homens de raça negra (...) O poder ascensional dos negros em nosso povo e em nossa história, (...) é, pois, muito reduzido (...). Quando sujeitos à disciplina das senzalas, os senhores os mantém dentro de certos costumes de moralidade e sociabilidade, que os assimilam, tanto quanto possível, à raça superior; desde o momento, porém, em que, abolida a escravidão, são entregues, em massa, à sua própria direção, decaem e chegam progressivamente à situação abastardada, em que os vemos hoje.

Tal preconceito racial manifestado pelo Barão Smith Vasconcellos atribuía à abolição da escravatura a inferioridade natural dos negros e mestiços após a Proclamação da República, invertendo, em sua lógica conservadora, os princípios ideológicos coloniais, que fizeram da escravidão a maior fonte de desqualificação social dos africanos para aqui deportados, situando-os irremediavelmente nos estratos mais baixos da população. A única forma de vencer tal inferioridade racial, segundo ele, consistia em uma arianização desses descendentes dos africanos, através de seu cruzamento com o sangue germânico ou de um processo lento de branqueamento da raça mestiça brasileira.

Os mestiços arianizados, no seu entender, eram aqueles que, como o escritor Machado de Assis – de quem o Barão era médico e amigo pessoal, e por quem manifestava enorme apreço – podiam ser mesmo considerados como mulatos ingleses, representando aqueles tipos raciais anglicizados, nos quais preponderava um eugenismo branco e europeu, através de influências hereditárias positivas arianas.Ao lado do culto do passado, a valorização de Idade Média pelo romantismo do século XIX trouxe à baila novas ideologias como aquela difundida pelo historicismo, doutrina que colocou em destaque o caráter único e irrepetível de todos os acontecimentos históricos, afirmando,no entanto, que tudo o que era histórico decorria da manifestação de um princípio sobre-humano e eterno.

Voltando assim uma vez mais à questão do ecletismo empregado na construção do Castelo de Itaipava, é importante destacar a ocorrência histórica do que – enquanto já se afirmava e se disseminava o Modernismo arquitetônico no Rio de Janeiro, durante as décadas de 1920 a 1940, como resultado da revolução industrial do século XIX – ocorreu no mesmo período um revival concomitante de castelos medievais cariocas e fluminenses, disseminados igualmente por outros estados do país. Lucio Costa (1952, p.19/23, grifos nossos) – um dos mais representativos teóricos da moderna arquitetura brasileira – é quem nos fala sobre essa coexistência, nem sempre pacífica, do espírito modernista da época com o formalismo dos estilos históricos:

É que, em meio ao ostensivo mau gosto da arquitetura corrente dos mestres-de-obras, cuja despreocupação no entanto soube casar tão bem a bela tradição dos enquadramentos de pedra com soluções de acentuado sentido moderno, (...) avultam dois movimentos distintos, ambos de feição erudita: de uma parte, numerosos exemplos do mais sóbrio e apurado ‘art-nouveau’ (...); e, de outra parte, toda uma sequência de edificações proficientemente compostas nos mais variados estilos históricos, do gótico às várias modalidades do renascimento italiano ou francês. (...) Por outro lado, a tendência anglo-saxã também se fazia valer a sua feição ortodoxa, acadêmica. (...) E, como se já não bastasse, prosseguia ainda, como anteriormente, a escola francesa, diga-se assim, do pseudo Luís XVI (...), bem como dos pseudos bascos e normandos de preferência de certas firmas construtoras idôneas. (...) Foi contra essa feira de cenários arquitetônicos improvisados que se pretendeu invocar o artificioso revivescimento formal do nosso próprio passado, donde resultou mais um ‘pseudo’ estilo, o neocolonial (...).

Um dos disseminadores do estilo neocolonial, representando um dos estilos históricos no Rio de Janeiro foi o arquiteto José Marianno Filho, antigo diretor da Escola Nacional de Belas-Artes e um dos defensores mais ativos da arquitetura neocolonial no Brasil. Tendo construído uma luxuosa mansão neocolonial no Jardim Botânico denominada de Solar Monjope, realizou para isso uma verdadeira arqueologia arquitetônica, com a importação de peças autênticas da Europa e de azulejos italianos do século XVIII em estilo colonial. O conceito de neocolonialismo pode ser definido como “o domínio que um país exerce sobre o outro menos desenvolvido, não por sistema ou orientação política, mas pela influência econômica e/ou cultural”(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 1188). A arquitetura colonial brasileira de influência portuguesa que assumiu maior expressividade estética foi aquela das cidades históricas mineiras, entre as quais se destaca Ouro Preto. A ação colonizadora lusitana procurou ali reproduzir sua tradição nacional através da sensibilidade artística da arquitetura, de acordo com a seguinte orientação ultramarina:

(...) Se na Arquitetura portuguesa se encontram muitas sugestões de países distantes, também os lugares onde os portugueses se fixaram ou por onde passaram, estão colonizados com as formas arquitetônicas que o seu espírito modelou (...). E essas relíquias, na sua mudez das coisas inanimadas falam uma linguagem vernácula que a nossa alma entende porque exprime essa alma coletiva que se transmite de geração para geração. (Batalha: 1950, p. 8 e 17).

Para Marianno Filho (1943, p. 121/122), o século áureo da arte nacional foi exatamente o século XVIII, no qual Ouro Preto pontifica como representando a cidade brasileira mais expressiva, “não só pela opulência de sua arquitetura como pela unidade de sentimento artístico dominante”. Para esse teórico da arquitetura colonial, o século XIX constituiu “o século da negação artística à obra do passado, (em que) Ouro Preto foi aviltada com sucessivos ataques ao seu patrimônio de arte”. Defendendo a arte do passado – já que, para ele, “a nação deveria cumprir a tarefa de resguardar carinhosamente os remanescentes da grande arte legada pelos nossos avós, representativa das condições sociais do país, em épocas anteriores” – colocou-se frontalmente contra os arranha-céus preconizados pela arquitetura modernista, afirmando que “qualquer movimento colonial representa um esforço muito maior, do que as arapucas de cimento armado, diante das quais, nos extasiamos”.

A arquitetura colonial, para Marianno Filho (1943, p. 59/60 e 103), representava um fator de nacionalização, devido ao seu caráter clássico ou tradicional. A essa forma de construir se opunha o estilo modernista, denominado por ele de estilo caixa d’água, que tinha “a função de investir contra o passado, destruindo-lhe as pegadas luminosas”. Segundo esse autor, “o homem moderno não mora, transita. É por isso que o tal estilo arquitetônico futurista é absolutamente intransitável”. O ataque à arte colonial, levado a cabo pela Escola Nacional de Belas-Artes, sob a direção do arquiteto modernista Lúcio Costa em 1931, foi assim comentado por Marianno Filho (1943, p. 59/60):

(...) Derrubem-se sem demora os velhos templos, e os velhos edifícios solarengos que recordam o português nefando. (...). De sorte que nós, brasileiros que durante quatro séculos e meio trabalhamos insensivelmente nos velhos moldes arquitetônicos peninsulares (...) devemos sem mais aquela (...) abandonar as praxes tradicionais que a experiência do povo sagrou, para adotar a arquitetura celebrina. (...).

As acusações de Marianno Filho contra Lúcio Costa se fundamentavam no fato deste último ter sido um antigo paladino da coluna tradicionalista, que mudou subitamente de orientação artística, aderindo ao modernismo. Para Marianno Filho (1943, p. 145), “O estilo colonial foi para Lúcio Costa o elemento pictórico próprio a seus devaneios. Esgotada a sua faculdade criadora em torno dos pobres temas coloniais, o decorador passou a explorar as linhas geométricas do cimento armado com a mesma habilidade insincera com que tratara os miseráveis motivos brasileiros de Diamantina”.

É interessante observar que o projeto original do Castelo de Itaipava, com estilo neogótico/normando clássico, foi realizado em 1920 pelo arquiteto Fernando Valentim (1900-1969) – filho do construtor do célebre Castelo Valentim de Santa Tereza, no Rio de Janeiro – contando com a estreita colaboração de Lúcio Costa em sua concepção arquitetônica, o qual havia recentemente concluído o curso de graduação em arquitetura pela Escola Nacional de Belas-Artes. Essa incursão de Lúcio Costa pela arquitetura gótica romântica do século XIII foi anterior, portanto, à sua adesão ao estilo neocolonial, precedendo cerca de uma década sua inserção no movimento modernista das décadas de 1930-1940.

Para Marianno Filho (1943, p. 48 e 122), a arquitetura modernista consistia em caixas brevetadas pelos judeus franceses ou em pijamas de cimento preconizados pelos judeus sem pátria, refletindo uma ideologia política conservadora vigente nas primeiras décadas do século passado, que acusava a arte moderna de se haver inspirado em tendências judaicas e comunistas. O arquiteto francês Le Corbusier, responsável pelo esboço original do prédio do MES (Ministério da Educação e Saúde) -, o qual foi posteriormente desenvolvido nas décadas de 1930 e 1940 por uma equipe brasileira na qual se destacaram Lúcio Costa e Oscar Niemeyer -, foi assim acusado por Marianno Filho (1943, p. 60/70 e 153/154, grifos nossos) de ser judeu e comunista:

Definida de modo inesperado a simpatia do Ministro Capanema pela arquitetura ‘funcional’ (...) não foi difícil ao arquiteto Lucio Costa(...) convencê-lo de que o prédio do Ministério deveria expressar-se de acordo às ideias do judeu Le Corbusier (...), que é derrotista universal, por conseguinte, comunista do melhor estofo, realizando o seu plano demolidor, tentou arrasar a tradição dos povos. Ideou uma arquitetura berrante de todo e qualquer sentimento de nacionalidade (...).)

Pode-se indagar, então, se o estilo neogótico escolhido para edificar o Castelo de Itaipava na década de 1920, não expressou igualmente, de forma simbólica, aqueles valores ideológicos conservadores acima defendidos por Marianno Filho. Enquanto o modernismo tomava forma e se afirmava como estilo arquitetônico oficial nas décadas de 1930 a 1940, o ecletismo parecia querer com ele competir em pé de igualdade, contando para isso com vários ideólogos. No caso do estilo gótico-normando do Castelo de Itaipava, ao ideal futurista, judaico e comunista da arquitetura moderna se contrapunha, então, um estilo tradicional, ariano e cristão representado pelo neogótico, expressando os valores arquitetônicos, dessa forma, a tensão social existente entre forças conservadoras (ou mesmo de extrema direita, do ponto de vista político), e forças modernizadoras (identificadas, no caso dos arquitetos modernos brasileiros, com um ideal social-democrático ou mesmo socialista e comunista). Anteriormente à construção do seu Castelo de Itaipava, seu dono mandara erigir, em 1915, um castelo situado na Avenida Atlântica, no número 2.788.

Tal palacete externamente se parecia com um castelo, devido à sua alta torre com 35 metros de altura, igual à de um edifício de dez andares, sendo que nessa torre se encontravam várias reproduções esculpidas da cara de um leão. Na época de sua construção, o palacete custou 75 contos de réis, tendo sido sua porta principal e as laterais revestidas de cristal bisotado e contando com três pavimentos, que abrigavam, respectivamente: no primeiro pavimento situavam-se as partes social e de serviço da casa (composta por um salão, biblioteca, duas salas e cozinhas); no segundo andar ficava a parte íntima ou os dormitórios e o andar de baixo contava com dependências de empregados e um grande porão. Tal castelo eclético, com influências do estilo mourisco, abrigava a família Smith de Vasconcellos durante uma parte do ano, enquanto em outros períodos o Barão e seus familiares se deslocavam para o Castelo de Itaipava, principalmente na época do verão carioca.

Esse palacete refletia o hábito chique da elite da época da República de morar em Copacabana, significando, ainda de acordo com Marianno Filho (1943, p. 26, 89 e 110), um exemplo dos “teatrinhos (com janelinhas góticas) onde residem os nouveaux-riches e fidalgos de papelão da Avenida Atlântica, (...), que compram brasões ao Papa, por intermediário do vigário da zona”. No caso do estilo neogótico e normando-saxãodo Castelo de Itaipava, tal tipo de edificação expressava tanto o ideal branco e europeu de seu dono, – representado por uma arquitetura de inspiração nórdica ou germânica –, quanto à ideologia britânica da modernização conservadora partilhada por certos estratos da elite do início do século passado.

O fascínio exercido pela cultura inglesa sobre o Barão Smith Vasconcellos, bem como sobre outros intelectuais e letrados de segmentos da elite carioca e fluminense da época, poderia ser justificado pela coexistência pacífica, em terras anglo-saxônicas, de um verdadeiro avanço tecnológico representado pela revolução industrial, ao lado de um governo conservador forte ali existente. As construções em pedras cortadas, com estruturas de concreto com fossos, pontes levadiças e seteiras para impedir a aproximação de indivíduos indesejados, com torres, coberturas de ardósia e mármore de Carrara nos pisos e com fachadas em estilo normando, Tudor e Windsor expressam, assim, a escolha de um modelo inglês para a construção de nossos castelos tropicais.

O porquê da eleição de uma arquitetura de fortalezas medievais inglesas como modelo construtivo para os castelos tropicais, justifica-se, na medida em que ocorreu uma real influência do imaginário inglês no Brasil, desde o começo do século XIX. Nosso modelo de modernização tecnológica foi primordialmente o produto da revolução industrial britânica. Um dos ancestrais do próprio construtor do Castelo de Itaipava, o 1º Barão de Vasconcellos, chegou a estabelecer em 1852, em Liverpool, Inglaterra, a Casa Matriz de seus negócios de importação e exportação para o Brasil, sob a razão social de Vasconcellos, Ridgway & Co. A fortaleza anglo-saxônica de Itaipava, com seu orgulho gótico e germânico, ergue-se assim, impávida, como um estandarte simbólico de ordem hierárquica e aristocrática de segmentos da elite das primeiras décadas do século XX, marcando, – com sua arquitetura medieval e romântica –, a ideologia política conservadora, os privilégios de classe e o poderio econômico da família Smith de Vasconcellos.

CONCLUSÃO: QUEM QUER SER NOBRE DO BRASIL DE HOJE (Foto 3)

Indaga-se aqui “Quem Quer Ser Nobre no Brasil de Hoje?”.Partindo da análise do ecletismo estético para desembocar na hierarquização racial europeia e na negação do sangue negro e mestiço por segmentos de nossa elite, a análise da arquitetura eclética da década de 1920, responsável pelo projeto da dupla Valentim-Costa e pela edificação do Castelo de Itaipava, revela valiosos aspectos ideológicos de segmentos da elite carioca e fluminense desse período. Ideologia essa que é caracterizada por conceitos (e preconceitos) raciais, de classe, políticos e estéticos, muitos deles vigentes até a atualidade em nível do senso comum. O ethos e a visão de mundo de segmentos da elite das primeiras décadas do século XX foram, portanto, por nós investigados tendo exatamente como ponto de partida a simbologia arquitetônica detectada no Castelo de Itaipava, tema de nossa dissertação de mestrado. Sob essa ótica, procuramos perceber a arquitetura de época como sendo representativa de uma parcela da aristocracia brasileira, principalmente no que se refere a uma ideologia de classe inerente a uma nobreza com poucas tradições culturais, herdeira daqueles nobres lusitanos representados pelos burgueses enriquecidos, nobreza essa que se contrapõe assim à velha aristocracia responsável pela formação da nacionalidade portuguesa.

O acesso ao poder e ao prestígio desse novo grupo aristocrático, representado principalmente por comerciantes de origem sociocultural humilde, que logram penetrar na nobreza de Portugal através de seu poder econômico elevado, pode ser exemplificado pelo 1º Barão, José Smith de Vasconcellos, português que se dedica à carreira comercial como importador e exportador de produtos para a Inglaterra. Tendo instalado Casas Matrizes de seus negócios tanto em Fortaleza quanto em Liverpool, esse Barão ilustra bem um caso típico da obtenção de um título nobiliárquico, em 1869, como forma de pagamento à prestação de seus serviços sociais à Casa Real lusitana. Ainda por decreto real de 1874 de D. Luiz I, é concedida a Rodolpho Smith de Vasconcellos uma segunda vida no título dado anteriormente dado a seu pai, o qual se torna então o 2º Barão de Vasconcellos.

O próprio dono do Castelo de Itaipava descende de uma dinastia comercial, tendo seus ancestrais obtido títulos de nobreza por obras de benemerência devidas à Casa Imperial lusitana desde a segunda metade do século XIX. Uma segunda hipótese da presente pesquisa gira em torno, portanto, do modelo de nobreza e de restauração monárquica valorizado por elementos da elite carioca e fluminense da época da República Velha. Nos anos 1920, como demonstra Silva (1986), os monarquistas ou saudosistas platônicos se alinharam aos republicanos desiludidos com a República oligárquica e com os republicanos preteridos pelo poder no governo de Artur Bernardes, para organizar as comemorações do centenário do nascimento de D. Pedro II, revelando a crise por que passava então a instituição republicana.

O grupo partidário da restauração monárquica do início do século passado pode ser indicado pelo 2º e 3º Barões de Vasconcellos, representantes de uma linhagem nobiliárquica em moldes brasileiros, cuja ascendência nobre se dá via seus ancestrais femininos.O movimento de restauração monárquica das primeiras décadas do século XX pode ser aproximado historicamente da situação política brasileira gerada pela discussão suscitada em torno do plebiscito de 1993 que pretendeu decidir entre República e Monarquia Constitucional, bem como entre presidencialismo e parlamentarismo.

Nossa segunda hipótese reside, assim, na indagação sobre se o ideal aristocrático e monárquico de certos estratos da elite das primeiras décadas do século vinte subsiste até a pós-modernidade, procurando perceber sua permanência no tempo e revelando quem, e por que motivo, ainda quer ser nobre no Brasil de hoje.Uma terceira e última hipótese deste artigo se baseia na possível articulação entre o modelo aristocrático e monárquico da elite do início do século passado e o arianismo difundido no Brasil a partir do século XIX.

A difusão desse arianismo aplicado, no caso da realidade racial brasileira, juntamente com teorias pseudocientíficas como o darwinismo-social, é o atual responsável pela ideologia do branqueamento do nosso sangue negro e mestiço, através do cruzamento do brasileiro com o branco europeu. Através da difusão da ideologia da seleção social sugerida por Vacher de Lapourge – que pensa o negro como sendo inferior cultural e racialmente, não tendo, portanto, condições de competir economicamente dentro de uma sociedade civilizada – a injeção de sangue europeu dos imigrantes tem a função principal de aumentar o percentual de brancos no país.

A aplicação em nosso país desse conceito de seleção social deriva do fato de se acreditar que o negro do sexo masculino apresenta uma inclinação natural para se casar com mulheres mais claras o que, ao longo do tempo faria com que a raça negra fosse desaparecendo ao dar lugar a mulatos mais claros, que por sua vez se uniriam a cônjuges de origem europeia. Dessa forma, foi idealizada no Brasil do início do século passado a teoria da seleção sexual, que previu que o sangue negro iria sumindo gradativamente, por ser inferior, ao entrar em contato com o sangue branco dos colonos europeus, vistos como “efervescentes em matéria de trabalho, progresso e civilização” (Azevedo: 1987, p.63).

Comungando com essa crença de eugenia do sangue do branco europeu, o construtor do Castelo de Itaipava acabou se identificando com a ideologia do branqueamento do sangue negro que preponderava no país nas primeiras décadas do século XX, tendo atualizado uma postura racista partilhada por segmentos da elite daquela época. Esta última hipótese nos sugere uma apreciação crítica sobre a sociedade brasileira atual, no que se refere às relações raciais e à existência de uma vertente hierárquica presente no bojo da sociedade mais ampla. Através do estudo de caso do Barão Smith de Vasconcellos, podemos perceber vários nuances de nossa verdadeira face como país, no qual o mito das três raças e o racismo à brasileira (cf. Da Matta:1981) continuam a ser cotidianamente atualizados pelo senso comum, e no qual uma postura aristocrática prepondera entre segmentos significativos das classes superiores da população.

Tal postura de cunho de hierarquizante leva-nos, finalmente, a interpretar o enclausuramento estético e arquitetônico dos construtores de fortalezas medievais neogóticas como uma resposta tradicionalista às revoluções de cunho popular que proliferam no decorrer do século XX em nível mundial, bem como às mudanças culturais e políticas ocorridas no Brasil desde os anos 1990 até a atualidade, desaguando na era Dilma-Temer de protestos e manifestações de massa insuflados por redes sociais.

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O ecletismo na arquitetura deriva do método filosófico”que consiste em reunir teses de sistemas diversos, ora simplesmente justapondo-os, ora chegando a uni-los em uma unidade superior, nova e criadora” (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p.616). O estilo eclético admite uma justaposição de tendências arquitetônicas de caráter histórico, afirmadas no século XIX na Europa pelos precedentes estilísticos do romântico-medieval e do clássico-renascença. Tal influência do gosto europeu foi aqui disseminada a partir das primeiras décadas do século passado, com a proliferação de construções neoclássicas e neogóticas na arquitetura fluminense.

De acordo com a conceituação de Lévi-Strauss, a bricolage exemplifica o modus operandi da reflexão mito poética. O bricoleur é aquele que pode operar com materiais fragmentários já elaborados, afastando-se das normas adotadas pela técnica.

A preservação da ordem senhorial imperial no Brasil se encontra relacionada ao preconceito de cor (Bastide e Fernandes: 1975, p. 369), derivando de um princípio de integridade social do Império Português que vincula o grau de nobreza ao fato de se possuir limpo sangue isento de toda a raça de mácula de Judeu ou qualquer mácula (cf. Frei Gaspar in Genealogia Paulista de Silva Leme: 1903-1905 apud Bastide e Fernandes, in op. cit.).

O poder não é um objeto natural ou uma coisa, mas constitui uma prática social construída historicamente. A questão do poder é vista como instrumento de análise capaz de explicar a produção de saberes, interpretados como elementos de um dispositivo de natureza estratégica ou peças de relações de poder, incluindo-os em um dispositivo político que, em terminologia nietzschiana, Foucault chama de genealogia. Foucault entende por microfísica do poder tanto um deslocamento do espaço de análise quanto do nível em que esta é exercida, sendo que os procedimentos técnicos de poder realizam um controle detalhado do corpo através de gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos (apud Machado: 1979, p. XII-XIV).

Na concepção de Faoro (1984), “O domínio tradicional se configura no patrimonialismo, quando aparece o estado-maior de comando do Chefe, junto à casa real. (...) O caminho burocrático do estamento, não desfigura a realidade fundamental, impenetrável ás mudanças. (...) Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político – uma camada social, comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes – impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando. (...) O conteúdo do Estado molda a fisionomia do Chefe de Governo. O rei, o imperador, o presidente não desempenham apenas o papel do primeiro magistrado, comandante do estado-maior de domínio. O chefe governa o estamento e a máquina que regula as relações sociais, a ela vinculadas” (p.736 a 739 – 2º volume, grifos nossos).

6A Proclamação da República e a Abolição da Escravatura constituíram marcos históricos em relação às hierarquias sociais do Império. Tais hierarquias, de cunho aristocrático, foram abaladas nesse período, ocasionando uma revisão das doutrinas raciais existentes (cf. Skidmore: 1976). Na crise nacional que se seguiu, o racismo emergiu como uma ideologia que resolveu, em dois níveis, a ameaça imposta à estrutura social e econômica do país com a libertação dos escravos. Em um desses níveis, o racismo cumpriu o papel de mantenedor da ordem vigente, libertando juridicamente o escravo, porém sem libertá-lo social e culturalmente. No segundo nível, o racismo deu conta de um projeto nacional cultural para o Brasil, permitindo-nos visualizar nosso país como algo singular. (cf. Da Matta: 1981).

A este respeito, ver Da Matta (1981) e Ortiz (1985) sobre a “fábula ou mito das três raças”.

No dizer de Fernandes (1978).

Tal denominação do escritor Machado de Assis é assim feira por Freyre (1948, p. XVI):

“O que não significa, de minha parte, adesão absurda a um caboclismo intelectual ou artístico de tal modo sectário que nos impedisse, aos brasileiros, de receber, assimilar, adotar, desenvolver, recriar, abrasileirar, estrangeirices. (...) O que é certo dos, dentre eles, acusados de terem se anglicizado como Machado – por alguns chamado‘mulato inglês’;(...); ou um simples imitador do americano Cooper, no seu indianismo: acusação feita ao tão brasileiro José de Alencar, glorificador, quer de Iracema de pés selvagemente nus quer de sinhazinhas morenas da Corte de D. Pedro II”. O construtor do Castelo de Itaipava chegou a ser amigo íntimo de Machado, a quem alugou uma casa de sua propriedade nas Águas Férreas por preço simbólico, devido à sua grande admiração por esse mulato inglês referido por Freyre.


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