top of page

A representação pictórica das festas pelos pintores modernistas brasileiros

Introdução

Em 1917, a exposição de Anita Malfatti, marcou a chegada do Modernismo no Brasil, a partir de tendências europeias, dando início a modificações no estilo artístico brasileiro. A este movimento, Anita Malfatti incorporou questões psicológicas e sociais pois, para ela, “o conteúdo é [era] mais importante do que a forma” (ROSSETTI, 2012, p. 129), como fica claro em suas obras: A boba, As duas Igrejas, O homem amarelo e Festa de São João (Figura 1), entre outras.

Figura 1: Anita Malfatti. Festa de São João com guirlanda, década de 1940.

Disponível em: <http://obviousmag.org/pintores-brasileiros/anita_malfatti/as-influencias-nas-obras-de-anita-malfatti.html>.

Na década de 1920, os modernistas desenvolveram uma linguagem visual de acordo com seu tempo e buscaram temas nacionais e uma forma de expressão genuinamente nacional, o que justifica o fato de as festas públicas terem ganho espaço como temática de suas obras. Aracy Amaral explica que “foi, porém, precisamente o sentimento do nacional que os levou (...) a cantar aquilo que é nosso, a analisar e estudar as nossas fontes mais tradicionais de inspiração, em movimento que se antecipa à Semana” (AMARAL, 1972, p. 103).


A Semana de Arte Moderna


A Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, teve grande importância do ponto de vista da história e da cultura brasileira. Esta semana foi um marco divisor entre a oposição do velho com o novo e, “com todas as suas inconsistências e improvisações, abriu, definitivamente, o século XX para a criação artística e o pensamento nacionais” (AMARAL, 1972, p. 18), levando a uma progressiva formação de uma consciência nacional. A Semana de Arte de 22 “(...) constituiu um avanço cultural da cidade de São Paulo, foi ganhando importância histórica e passou a representar a confluência de tendências de renovação e afirmação da arte nacional” (LEITE, 2012, p. 69).

Não podemos deixar de contextualizar outros fatores que ajudaram a alavancar a radical modernização das artes, dentre eles o fato de, em 1922, a cidade de São Paulo estar se enfeitando para a Festa Cívica em Comemoração ao Centenário da Independência, exacerbando o Nacionalismo, e evidenciando uma ambiguidade entre o desejo de ruptura dos jovens artistas da Semana com os valores vigentes.

O teor nacionalista acabou influenciando a obra de diversos artistas modernistas, sobretudo os da segunda geração de pintores, que desejavam que o Brasil se libertasse da Europa e encontrasse o caminho de sua própria cultura, buscando traços definidores da identidade nacional brasileira (SOUZA, [1980] 2009). Eles geraram obras que valorizaram os temas brasileiros e regionalistas, fazendo referência a acontecimentos domésticos, às representações da vida cotidiana, ao mundo do trabalho, aos costumes urbanos e rurais. Nesse contexto, inserem-se as festas, sobretudo as que haviam sido menosprezadas pela elite em detrimento de novas práticas trazidas do continente europeu, como o carnaval e as festas juninas, que passaram então a ganhar destaque, sendo valorizadas pela sua representação pictórica. Ressaltamos que “havia grande diferenças de um pintor ao outro e de uma obra à outra, mesmo entre as produções de um único artista, evidenciando buscas entre os estilos modernos” (CATTANI, 2012, p. 23), mas que mantinham presente a temática das festas.

Alberto da Veiga Guignard, assim como os pintores modernistas da primeira geração, esteve na Europa e foi influenciado pela arte que se fazia lá. Mas, depois de uma longa estadia na Europa, encantou-se com sua terra e pintou uma série de obras tendo as Festas de São João como tema recorrente (Figura 2).

Figura 2: Alberto Guignard. Festa de São João, 1939.

Disponível em: <http://portucalia.blogs.sapo.pt/21722.html>.

Candido Portinari também esteve na Europa, mas se firmou como pintor de arte moderna brasileira, conseguindo desalojar a arte do reduto em que se mantivera abrigada até então: o das encomendas oficiais (SOUZA, [1980] 2009). Sua pintura tradicional foi se modificando uma vez que suas obras foram perdendo o traço de fidelidade à realidade para

adquirirem maior expressividade e comunicação imediata com a sensibilidade. Algumas de suas obras retratam as festas brasileiras tais como Baile na roça (1924), Noite de São João (1957), Festa de São João (1958), Carnaval (1960) (Figura 3) entre outras.


Figura 3: Cândido Portinari. Carnaval, 1960.

Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-l_OC_5PhdHs/URV3XvOLV7I/AAAAAAAAHNk/nkpcTguICGU/s1600/Carnaval_Portinari.jpg>.

Emiliano Di Cavalcanti, por sua vez, deu ao movimento “um tom festivo irreconciliável talvez com o sentido de transformação social que deveria estar no fundo de nossa revolução artística e literária” (AMARAL, 1972, p. 118). Com ele, a pintura brasileira empreendeu uma revisão de temas, dentre eles as grandes festividades públicas e os divertimentos de rua (SOUZA, [1980] 2009). Destacam-se dentre suas obras: Pierrot (1924), Samba (1925), Samba (1928), Festa de São João (1936), O Grande Carnaval (1953) (Figura 4).

Figura 4: Di Cavalcanti. O grande Carnaval , 1953.

Fonte: Reprodução fotográfica Caio Kauffmann/Itaú Cultural.

Tarsila do Amaral valorizou o primitivo e o popular, sintetizando e estilizando os costumes e as crendices populares (ROSSETTI, 2012). Sua pintura passou por diversas fases, numa delas, ela retomou os temas rurais, as festas e as tradições populares, executando: Carnaval em Madureira (1924), Procissão (1941) (Figura 5) e Procissão do Santíssimo em São Paulo no Século XVIII (1954).

Figura 5: Tarsila do Amaral. Procissão, 1941.

Fonte: Acervo da Pinacoteca da Associação Paulista de Medicina.

A década de 1930

Embora Mário de Andrade tenha afirmado que o fim do movimento modernista tenha sido oficialmente decretado em 1942, com a celebração oficial dos vintes anos da Semana de Arte de 22, o movimento se estendeu até o final da década de 1940, compondo diferentes gerações com diferentes propósitos. Assim, a partir da década de 1930, teve início a terceira fase do Modernismo, quando as agitações das manifestações culturais anteciparam a insatisfação que tomaria forma política contra o “tradicionalismo-aristocratismo” (AMARAL, 1972). Não havia mais o “verdadeiro modernismo” (ANDRADE, 1974), pois o Modernismo passou a se impor à realidade nacional.

Sob o impacto do Movimento Modernista, sobretudo com Mário de Andrade, surgiram as primeiras gerações de cientistas sociais, intelectuais, literatos e historiadores que buscavam a construção de uma identidade nacional. Todos eles demonstraram um interesse etnográfico e tiveram uma grande preocupação com a diversidade cultural e salvaguarda dos elementos intangíveis da cultura brasileira, dentre eles, as festas, que passaram a ser tratadas pelo viés da cultura, o que refletiu até mesmo na forma como foram representadas. Mário de Andrade relaciona a arte com a vida, para ele:

(...) a especificidade da arte está nas formas, criadoras de beleza, mas isso não esgota o fenômeno artístico, que se configura como função social interessada e participante, criadora também de uma humanidade melhor. Para além da estética, a arte implica o imperativo ético de amilhoramento [sic] político-social do homem (ANDRADE, 1974, p. 255).

A partir de então, os artistas que trabalhavam solitariamente começaram a se reunir por afinidades estéticas em grupos e associações, dentre eles o Grupo Santa Helena, cujos artistas eram oriundos da classe operária, mas que tiveram a paisagem, as quermesses e as festas como temas principais de suas obras. Destaca-se, dentre eles Alfredo Volpi (1896-1988), com sua série de bandeirinhas e mastros (Figura 6), e Antônio Gomide, com suas obras de composição cubista, mas que tiveram as festas religiosas como tema, como é o caso de Procissão (1958) (Figura 7).

Figura 6: Alfredo Volpi. Bandeirinhas e Mastros, s/d.

Disponível em:<http://deniseludwig.blogspot.com.br/2013/06/arte-em-pinturas-de-festas-juninas-e.html>.

Figura 7: Antonio Gomide. Procissão, 1958.

Disponível em: <http://brasilartesenciclopedias.com.br/tablet/nacional/gomide_antonio06.php>.

Considerações Finais

Os artistas modernistas, cada qual a seu tempo, a seu modo e com suas próprias técnicas e estilos, tiveram uma produção voltada para a interpretação e retratação do Brasil em seus múltiplos aspectos e práticas. O que visaram foi, sobretudo, a construção e a afirmação de uma certa identidade local em meio a uma identidade nacional. Eles tiveram as festas públicas, sobretudo as Festas Juninas, o Carnaval e as Procissões como temática de suas obras, por serem consideradas “festas verdadeiramente brasileiras”, inerentes à formação da identidade cultural brasileira.

Neste processo, fica claro que a obra de arte é fruto de um contexto histórico e social que demonstra uma interlocução direta ou velada entre as práticas socioculturais e a Arte e que comprova o seu valor social, malgrado diferentes interesses e funções.

As festas públicas, enquanto práticas socioculturais, foram inerentes à formação da identidade cultural brasileira levando muitos artistas a delas de apropriarem como temática de suas obras, descortinando uma interlocução direta ou velada entre a realidade e a Arte. Na estética modernista, as festas se constituíram num “lugar comum”, dado ao grande número de pinturas de diversos artistas do período. Estas obras dizem algo sobre a realidade representada e também dialogam com a própria história da Arte.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Aracy. As artes plásticas na semana de 22. São Paulo: Perspectiva, 1972.

ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In: Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, 1974.

CATTANI, Icleia Borsa. As máscaras e os mitos: tensões entre modernidade e intemporalidade na pintura modernista em São Paulo. In: Revista USP nº 94: Semana de Arte Moderna. São Paulo: Universidade de São Paulo; Superintendência de Comunicação Social, junho/julho/agosto 2012, p. 19-28.

LEITE, Edson. Música na Semana de 22: tradição e ruptura na cidade de São Paulo. In: Revista USP nº 94: Semana de Arte Moderna. São Paulo: Universidade de São Paulo; Superintendência de Comunicação Social, junho/julho/agosto 2012, p. 59-70.

ROSSETTI, Marta. Modernismo. In: Revista USP nº 94: Semana de Arte Moderna. São Paulo: Universidade de São Paulo; Superintendência de Comunicação Social, junho/julho/agosto 2012, p. 123-140.

SOUZA, Gilda de Mello. Exercícios de Leitura. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, [1980] 2009.


bottom of page